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True Colours #24

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 O azul e o amarelo com que imaginamos o céu, salpicado do branco das nuvens de algodão, é substituído pelo manto negro da noite. Porque é da noite que se preenche um espírito na cadência dos dias e é na noite que se entregam as almas aos prazeres do corpo. Foi assim com ela, quando se predispôs a conhecer os recantos obscuros das ruas da cidade. Procurou a companhia dos gatos vadios, comungando com eles os pecados da luxúria, da boémia, do desejo. Desceu as escadas que conduziam ao salão escuro. Os olhos demoraram a habituar-se e por instantes sentiu-se cega, tacteando as paredes, apoiando-se na mão que ele lhe apertava, inalando o cheiro a sexo esquecido, a memórias de momentos ali vividos por outros. Aos poucos, a luz violeta foi-lhe iluminando a retina, conseguindo distinguir as formas dos corpos que já ali se encontravam. Esperava o que não sabia esperar mas absorvia cada sombra, cada contorno de semblantes em movimento. Ouvia, sentido hiperbolizado pela necessidade, gemidos, repenicados beijos em fúria, o som da napa negra em contacto com os corpos que se entregavam sem pudor ao sexo de estranhos. Foi conduzida para mais perto do emaranhado de sombras. Distinguiu sujeitos que se alimentavam da energia dos outros. Parecia que o prazer demonstrado por uns, ateava a chama do desejo nos restantes. Procurou quem a acompanhava. Precisava de o sentir perto, colado a si, percorrendo-lhe as curvas, acicatando-lhe a vontade, afastando-lhe a vergonha. A dois primeiro, esqueceram-se dos olhares que se cravavam neles com a volúpia da novidade e entregaram-se ao crescente excitar dos sexos que sentiam já húmidos. Queriam mais. Queriam conhecer de perto os corpos com que partilhavam aquele espaço, queriam partilhar-se, dando-se desprendidos, dando-se puros na vontade, crus nos sentimentos. Aproximaram-se e foram recebidos por mãos ávidas, determinadas. Deixaram-se sugar para o buraco negro do prazer, deixaram-se tocar, deixaram-se possuir possuindo em simultâneo. Perderam-se por entre bafos quentes, cheiros misturados, fluídos sobejantes, línguas perscrutadoras. Olhavam-se de vez em quando, apenas para se certificarem de que estavam bem, de que a vontade de permanecer não se havia desvanecido. Sorriam e continuavam. A certeza de que o manto negro da noite tinha mais brilho que o dia, asseguravam-nos de que queriam aquele prazer. Fumaram um cigarro e, tal como entraram, saíram. Juntos. Da noite para a noite. Satisfeitos.
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